MANIFESTO DE FRENTE PARA O MAR, DE COSTAS PARA O MORRO
Como é de conhecimento histórico a cidade de Ilha Bela/SP fez parte de um período sombrio na história da população negra, conforme se discorrerá a seguir.
No século XV a praia de castelhanos era utilizada como entrada de escravos e de parada para “limpeza” dos vestígios do tráfico ilegal, além da praia da Figueira e do Saco do Sombrio.
Ao chegarem, em condições desumanas, ainda eram obrigados a enfrentar um caminho escarpado dos altos morros da ilha, sendo picados o tempo todo no caminho, em direção ao bairro da Vila onde eram comercializados como se fossem mercadoria no mercado de escravos.
Pelourinho, pedra ou madeira levantada em praça pública para castigar criminosos no período medieval. De um lado, símbolo máximo da autoridade municipal. De outro, símbolo máximo do retrocesso e da falta de humanidade. Tinha como função principal, no Brasil e em Ilhabela, punir, torturar e matar negros escravizados. Seu formato original era de pedra e foi erguido pelo escravocrata e torturador Senhor de Engenho Julião de Moura Negrão, o neto. Com o fim da escravidão, o Pelourinho foi removido tirando da luz a memória do que aqui ocorria. Local este que, marcado pelo sangue e suor da pele preta, foi escolhido para a erguida da pedra fundamental – o marco zero da Vila Bela da Princesa, e que mais tarde viria a ser chamada de Ilhabela, fazendo uma releitura da história e da importância do local. Durante o século XIX, o marco foi novamente removido e instalado nesta praça, a poucos metros do seu local de origem. É nosso dever manter a memória daqueles que ergueram com os próprios braços e a própria vida, a cidade de Ilhabela.
Temos ainda a construção do pelourinho, condição para a criação da até então Vila Bela da Princesa, e que viria a ser utilizada como local de tortura aos escravos por décadas e que, com o fim da escravidão, foi destruído e instituído como marco zero de Ilhabela.
Esse mesmo local que era motivo de sofrimento para o povo negro hoje é conhecido como marco inicial da cidade.
Ilhabela e a história do povo negro no Brasil se misturam. A própria cidade está cheia de sinais e os exemplos anteriores são a mostra disso. É inseparável o lugar com a sua história.
A história do Brasil e de Ilhabela não podem ser contadas sem falar do povo preto e da sua exploração. Somos feitos de história e dela não tem como fugirmos. O que podemos fazer é reparar as mazelas do passado, lutando no presente e melhorando o futuro. Não basta conhecer o mundo, é preciso mudá-lo.
Ainda encontramos dentro da sociedade brasileira um racismo estrutural, enraizado nas fissuras mais longínquas e tenebrosas do país.
Se os privilegiados estão cansados, imagine nós, negros? O racismo ainda é presente e ainda impõe obstáculos à sobrevivência dos negros. Não encontramos políticas de Estado que o enfrente radicalmente, e, consequentemente, somos constantemente subjugados e presenciamos a mutilação de nossas vidas.
Diante de todo o exposto e da dívida histórica do Estado, realizamos as seguintes reivindicações:
a) Reparação da política de memória da cidade com memoriais e identificação da sua história ligada a escravatura;
b) Reivindica-se que as propostas de base para o possível projeto de reparação da política de memória sejam elaboradas a partir da criação de uma comissão formada por representantes dos diversos setores das culturas, práticas e representação da negritude de Ilha Bela. E que essa comissão possa compor permanentemente o quadro da equipe gestora da Casa da Princesa Isabel.
c) Criação, neste local, Casa da Princesa Isabel, de um memorial da escravidão negra em Ilha Bela e da cultura afro-brasileira da cidade (comunidades quilombolas, religiões de matriz africana, favelas/comunidades etc.) a fim de afirmar os valores da liberdade, da igualdade, da diversidade, da pluralidade, da promoção da dignidade da pessoa humana, da promoção da igualdade racial, do trabalho livre e digno, da auto determinação dos povos e dos direitos dos povos tradicionais;
d) Instalação da Pedagogia Africana nas escolas, já inserida nas leis de diretrizes e bases do governo federal, onde se ensine a verdadeira história que nos trouxe até aqui;
e) A valorização da mão de obra estrutural com compensações financeiras e acesso à escola e cursos profissionalizantes no horário de trabalho aos contratados.
- Reivindica-se a apreciação das considerações e propostas aqui apresentadas, a fim de apresentar um retorno aos assinantes do abaixo assinado que segue anexa à esta petição.
Felipe Tiago Fonseca Contactar o autor da petição