MANIFESTO EM DEFESA DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA ESCOLA DA VILA

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Em 14 de fevereiro de 2017, pais, mães e funcionários da Escola da Vila foram informados pela imprensa do mercado financeiro, em primeira mão e após o início do ano letivo, que a Escola da Vila fora vendida à empresa Bahema/SA.

Somente no dia seguinte as diretoras comunicaram, por email, a “parceria” da Vila com outras duas escolas de projetos pedagógicos similares. A mensagem expressava “orgulho”, “grande satisfação” e “entusiasmo”, sem mencionar a transação e exaltando a Bahema como a empresa que “viabilizou” a “parceria”.  Nenhuma palavra sobre as características da empresa compradora e/ou acerca dos novos donos da escola.

Apreensivos, muitos pais e mães buscaram informações sobre as relações dos compradores com a área da educação. Em vão. Descobriu-se que Guilherme Affonso Ferreira Filho, diretor financeiro do grupo, também dirigia o Instituto de Formação de Líderes (IFL), que acabara de organizar o III Fórum Liberdade e Democracia. Nada mais revelador. Além de convidar Jair Bolsonaro para expositor e premiar Fernando Holiday, vereador que recentemente visitou escolas para fiscalizar conteúdos desenvolvidos pelos professores, este Fórum teve como apresentador do debate “O que queremos ser quando crescermos” o referido diretor. Neste debate, em profunda sintonia com o Projeto Escola Sem Partido, defendeu-se a extinção das disciplinas de humanidades; o ensino como transferência de conteúdo – o oposto simétrico à essência do construtivismo da Vila; a eliminação do pensamento crítico. Pior: professores de disciplinas de humanidades foram (des)qualificados como aliciadores de crianças para atividades sindicais. Paulo Freire, um dos educadores mais respeitados do mundo e referência pedagógica da Vila, foi considerado “lixo”, alguém que seria reprovado “se fosse aluno” de um dos “debatedores”.

Tais informações deixaram muitas incertezas sobre o destino da Vila. Sob a nova direção, como garantir a permanência do projeto político-pedagógico criado e recriado nesses trinta e sete anos de existência? Quais os termos do(s) contrato(s)? Quem contrata, avalia e demite o corpo docente? Questões que não foram respondidas ao longo de uma série de reuniões entre, de um lado, as antigas e os novos donos da Escola e, de outro, pais e mães. Entre uma e outra reunião, apareceram apenas promessas verbais e contraditórias, especialmente sobre as gestões financeira e pedagógica (poder de veto incluso) e a abertura do(s) contratos(s).      

Estes transtornos, muitos dos quais reconhecidos pela atual diretora pedagógica e pelos compradores, fragilizaram os laços de confiança e nos motivaram a criar urgentemente um espaço de debates e trocas. Apesar da falta de informações completas por quem deveria tê-las fornecido, chegamos a descobertas ainda mais preocupantes após o recebimento de dois documentos: um intitulado “Crenças, parâmetros e indicadores: o que caracteriza o Projeto Pedagógico de nossa escola”, enviado pela direção aos pais e mães da Vila, e outro enviado pela Bahema a seus acionistas como chamada para a assembleia agendada para dia 28 de abril de 2017.

O documento enviado pela Escola apresenta uma contradição central: elenca um conjunto de indicadores de acompanhamento do projeto político-pedagógico, o que sugere transferir aos pais e mães a tarefa de fiscalizá-lo – prática até então condenada por ela própria – e, ao mesmo tempo, defende que a vigilância deste projeto, incluindo o material didático e o currículo, é de responsabilidade da equipe pedagógica.

Com relação ao documento da Bahema, ao contrário das informações fornecidas durante as reuniões com os pais e mães, o laudo da equipe de assessoria financeira, contratada pela empresa compradora, mostra que a Vila era/é uma empresa rentável e saudável com lucro de R$ 5.349.000,00 em 2015 e de R$ 4.446.000,00 em 2016. Como então justificar a falta de investimento da Escola em infraestrutura, especialmente no tocante à acessibilidade e à cobertura da quadra? O documento explicita também que o período de transição não é de três, mas de dois anos (2017 e 2018). Além disso, não há um plano estrutural para a Vila, embora o planejamento para avaliação do investimento aponte para dobrar o faturamento e triplicar o lucro; o poder de veto da atual diretora pedagógica se restringe a questões burocráticas, societárias e não há uma só linha dedicada ao projeto pedagógico; tampouco foram encontradas referências a quem contrata e demite funcionários ou a respeito do Centro de Formação de Professores.            

Diante deste quadro sombrio, solicita-se com a máxima urgência:

● compromisso por escrito da manutenção do atual Projeto Político-Pedagógico e do regimento escolar assinado pelos novos donos;

● abertura completa do(s) contrato(s) de compra e venda da Escola, do plano de negócios e do acordo entre sócios para assegurar que o projeto político-pedagógico permanecerá sustentável, o que inclui ausência de precarização das relações de trabalho em todos os setores. A definição de metas financeiras ambiciosas que passam pelo significativo aumento de vagas, mas silenciam sobre propostas pedagógicas, parece sugerir forte prioridade à acumulação de capital em detrimento do foco na educação;

● explicitação formal pelo Sr. Guilherme Affonso Ferreira Filho sobre sua atuação no Instituto de Formação de Líderes; suas declarações públicas acerca da educação; os vínculos do IFL com o Movimento Brasil Livre, defensor do projeto Escola Sem Partido, e outros Think Tanks neo/ultraliberais que se opõem à filosofia construtivista da Vila;

●definição sobre quem avaliará e contratará professores, coordenadores, orientadores, diretores e funcionários técnico-administrativos;

● garantia da autonomia do corpo pedagógico na construção e reconstrução do projeto construtivista;

● legitimidade e reconhecimento da existência de uma diversidade de grupos de pais e mães, o que expressa o pensamento crítico e plural que sempre alicerçou os valores democráticos da Escola da Vila;

● montagem de um canal de comunicação transparente e horizontal que envolva não apenas um grupo, mas toda a Escola (pais, mães, corpo docente, equipe técnico-administrativa e direção).  

Lamentamos a atitude da direção da Escola que não tem proporcionado uma relação plural com o conjunto dos pais e mães no interior da comunidade Vila. Causa estranhamento sua forma de lidar com a imprensa que critica o fato da Escola ter sido vendida a um grupo com fortes vínculos ao que há de mais reacionário na política nacional e internacional, sobretudo na área da educação, instaurando uma verdadeira censura ao pensamento crítico outrora valorizado no cotidiano da Vila.  

Compreendemos que materializar a preocupação com o projeto político-pedagógico significa apoiar incondicionalmente os valores estruturantes e as necessidades imediatas dos professores e do corpo técnico-administrativo da Escola da Vila (consubstanciadas em carta aberta às diretoras e à Bahema). A apreensão dos professores e funcionários é a apreensão dos pais e mães, pois são eles que concretizam humana e cotidianamente o projeto político-pedagógico da Escola. Qualquer iniciativa que fira sua autonomia pedagógica é frontalmente contrária aos interesses da comunidade Vila.  A entrada do capital financeiro na educação básica não se restringe à Escola da Vila e a defesa de seu projeto político-pedagógico é guarida a outras experiências educacionais que visam uma sociedade mais crítica, inclusiva e, portanto, transformadora.

Assinam este documento:


Comissão de Comunicação e Mobilização    Contactar o autor da petição