Petição Online sobre o Manifesto de esclarecimento sobre o TDAH

Glória

/ #302 Re:

2013-12-20 14:37

#7: -

Wellington, eu tomo Ritalina e estou pesquisando muito sobre o assunto. Como tenho 35 anos, consigo definir melhor os efeitos dessa substância em meio organismo.

O que posso dizer é que as pessoas que se atrevem a falar sobre a substância geralmente não são autoridades no assunto, são educadores, psicólogos, pediatras, mas quase nunca psiquiatras realizando pesquisas dentro de universidades. Muitas pessoas querem falar, mas nenhuma delas vivenciou a experiência de ser portador do transtorno nem o efeito da medicação.

Uma criança ainda não consegue descrever com clareza como se sente antes e depois da medicação. Esse medicamento não funciona como a cocaína, como alguns querem fazer crer. Eu não me porto como uma pessoa que cheirou ou injetou cocaína, não fico paranóica, nem tenho alucinações, nem estou viciada, menos ainda ideia de suicíidio. Pelo contrário, depois que fui corretamente medicada, minha vida se tornou normal como eu nunca imaginei que pudesse ser. Não sabia que essa qualidade de vida que tenho hoje fosse possível. Desde criança sofri o estigma da criança que não é diagnosticada e tratada. Eu tomo 3 doses ao dia, depois, fico sem. Não fico desesperada por tomar mais, meu comportamento não se torna agressivo, somente volta ao estado de inércia. Mas aí, já que não tenho que fazer nada além de ver tv e dormir, para mim está ótimo!

A vida de quem tem esse transtorno é difícil, você perde hora sem perceber, você não consegue focar porque sua mente fica divagando, você lê uma linha e quando dá por si não sabe mais onde parou na leitura, você está ouvindo uma conversa, mas no meio dela você já se perdeu em pensamentos e não escutou metade das frases, você se sente a procrastinação ambulante, você começa tudo ao mesmo tempo e não termina nada, até o que deveria ser interessante, após um tempo também fica de lado. Eu perdia chaves dentro da minha própria casa, documentos também, era um martírio. Perdia data de entrega de trabalhos, provas, chegava na escola e tinha esquecido que tinha prova. Meus pais diziam que eu tinha atraso mental. Imagine uma criança ouvir isso. Imagine você ouvir o professor dizer para os seus pais que você é preguiçosa e sua mãe falar que você é "vagabundona". Fui aos trancos e barrancos para chegar onde cheguei, desenvolvi uma capacidade absurda para aprender a lidar com esses problema, porque a todo instante eu queria provar para minha mãe que eu não era burra, que eu era capaz e, depois, isso virou um ponto de honra, você passa a sua vida tentando provar e, na maioria das vezes, fracassa. Eu entrei em depressão duas vezes. Mas, o que eu posso dizer, eu estou aqui e hoje me sinto bem. Quase perdi o marido, perdi meu emprego, mas agora estou em outro que me dá prazer maior.

Se eu parasse para contar por todos percalços que passei, essas linhas não seriam suficientes. Mas, se eu puder ajudar você a ajudar sua pequena para que ela não passe as dificuldades pelas quais passei, eu vou tentar meu máximo. Leia artigos que tratem da doença e não artigos que questionem a doença. Quem tem e se trata sabe dizer melhor do que essas pessoas terroristas que ficam prestando um desserviço aos portadores do transtorno.

Sabe, Wellington, cada caso é diferente, somente o psiquiatra poderá avaliar. Mas, dependendo do grau da doença, é possível fazer tratamento com terapia comportamental cognitiva, há psicólogas especializadas. Faço a terapia e tenho acompanhamento médico porque meu caso é um pouco severo. Mas você pode  fazer essas perguntas para seu médico sem medo, sensibilize-o para os artigos que você leu e tente se apoiar nas palavras dele, confie, o médico saberá como proceder. E saberá quando e como retirar a medicação, se for o caso. Não faça por conta própria, isso sim é perigoso, nunca se tira uma medicação sem a permissão do médico, ele estudou e sabe o que está fazendo.

Saiba que sua filha não vai morrer por conta da medicação, não se tornará um zumbi e obedecerá como um robozinho, nem deixará de ser criativa e crítica. Ela somente terá qualidade de vida.

Pense, alguns medicamentos para depressão causam dependência, mas são necessários para que você consiga curar uma pessoa, para que se consiga reestabelecer a parte química do organismo. Mas, o próprio médico se encarrega de diminuir a dosagem quando o paciente estabiliza. Imagine deixar uma pessoa em depressão sem medicação o que você estará fazendo com ela, ou pior, após ler um artigo de que depressão é doença inventada, é frescura, que uns bons tabefes resolvem, você suspenda a medicação sem consultar o médico...Você pode causar um problema inimaginável. O desafio dessa doença é passarmos pelo preconceito assim como a doença depressão também passou até ser aceita como uma enfermidade. Tenha paciência, não faça nada sem conversar com um médico, confie e, se for preciso, mude de médico. Mas não deixe de ajudar sua filha, ajude-a com terapia também, crie métodos para ela estudar, ajude-a a ter horários e regras sem massacrá-la, seja paciente e ajude-a nas limitações. Nunca xingue, nunca diminua a inteligência dela nem permita que o façam. Abraços e boa sorte.